É só bola

  • 22-06-2021

É só bola

De dois em dois anos, seja Europeu ou Mundial, o País embarca num sono profundo enquanto a bola rola num qualquer relvado pintalgado com as camisolas da seleção. Nada contra as alegrias e os desamores associados ao futebol. Também gosto, confesso. Tenho é muita dificuldade em perceber que durante um mês, mais coisa menos coisa, se adie um País inteiro em nome do golo. Há quem lhe chame foco.

Antes do árbitro turco apitar para o Hungria – Portugal, discutíamos o envio de dados pessoais de manifestantes russos para a sua embaixada em Lisboa, debatíamos o custo das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, a nomeação de mais uma socialista para um cargo que pede independência e os desencontros entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa sobre a pandemia.

O árbitro apitou e tudo à nossa volta se transformou no sonho recordista de Cristiano Ronaldo e os atributos da água em detrimento de um refrigerante. Medina suspirou de alívio, Pedro Adão e Silva foi poupado a mais explicações, Ana Paula Vitorino saiu de cena e o primeiro-ministro pacificou-se com o Presidente da República. Venha de lá esse vinho Húngaro que transforma um Viktor Orbán num democrata confiável com quem se faz apostas sobre bola.

O futebol não é apenas ópio do povo. É o reino da impunidade que arrasta este País para consensos absurdos em tempo de necessárias discussões. O nosso foco tem de estar na urgência de derrotar este vírus e no como vamos recuperar dos efeitos da pandemia. Colocar todos os esforços no processo de vacinação em curso e preparar o dia seguinte no que diz respeito à recuperação económica, à criação de emprego e às mudanças estruturais necessárias no Serviço Nacional de Saúde. Futebol não é foco, é distração. E ainda bem. É para isso que serve o desporto, para gastarmos energias momentâneas e voltarmos, retemperados, às coisas realmente importantes desta vida.

Saibamos estar tão unidos em relação ao futuro de Portugal como conseguimos estar quando joga a seleção. Os tempos que aí vêm reclamam verdadeiro foco. O país está cansado de jogar para trás, ou de golear em vários estádios e perder nos indicadores que podem, de facto, revolucionar as nossas vidas. Somos os favoritos da bola e os derrotados da vida. Triste fado este. Se Cristiano não marcar, juntamos a crise à depressão e começamos tudo de novo até ao próximo Mundial. 

 

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