A culpa já morre solteira

  • 13-04-2021

Morreu o político que não quis deixar morrer a culpa.

É assim que será recordado Jorge Coelho. O governante que não esperou por investigações, inquéritos ou relatórios para explicar ao País o que significa assumir responsabilidade política.

 

Quando caiu a ponte de Entre-os-Rios, Jorge Coelho era ministro do equipamento social e eu uma jovem enfermeira. Recordo os dias cinzentos e a ansiedade de milhões de olhos colados no rio Douro. Confesso que na altura não compreendi o real valor da decisão do então responsável socialista.

 

Parecia-me natural, tal como me parece hoje, que o ministro da tutela se demita depois de uma infra-estrutura pública colapsar e arrastar para a morte quase 60 pessoas. Mal sabia eu que passados 20 anos, a decisão de Jorge Coelho ecoaria no País como um gesto de rara nobreza.

 

Muitos querem recordar o aparelhista, o caceteiro que disse que “quem se mete com o PS leva”. Perda de tempo. Isso é politiquice. À política, Jorge Coelho deixa o exemplo da responsabilização de quem assume cargos públicos. Um Homem que não precisou de decisões de tribunais para sair, nem de machetes vergonhosas sobre favores a procuradores, mortes violentas em aeroportos, ou puxões de orelhas do Presidente da República.

 

Saiu como quem entra pela porta grande, mesmo que essa imagem só seja projectada décadas depois.

 

Jorge Coelho criticou-me algumas vezes. Uma delas, violentamente. Um dia fizemos as pazes. Pediu-me desculpa pelo exagero. Eu desculpei-o pelo carácter. Aliás, se há coisa que Jorge Coelho não precisava era do meu “sim”. Talvez precisasse mais eu que compreendesse a justeza da minha luta ao lado dos enfermeiros. Morreu Jorge Coelho.

 

Não eramos próximos, nem do mesmo partido. Isso na hora da morte não interessa nada. Talvez nem na vida. Como escreveu um dos meus amigos, temo sinceramente que tenha morrido o último governante que assumiu que a culpa não pode morrer solteira”.

 

Se assim for, estamos definitivamente perdidos