Desconfinar a duas vozes

  • 16-03-2021

Desconfinar a duas vozes

 

“É uma questão de prudência manter a Páscoa como marco”, disse o Presidente da República. Será António Costa imprudente ao anunciar o início do desconfinamento duas semanas antes do dito marco? “Desconfinar a correr será tão tentador quanto leviano”, denunciou Marcelo Rebelo de Sousa. Será o Primeiro-Ministro leviano ao decretar já a abertura de parte das escolas, comércio local com vendas ao postigo, cabeleireiros e barbeiros?

 

António Costa anunciou o início do plano de desconfinamento numa altura em que continuamos sem conhecer a origem de cerca de 80% dos contágios, temos cerca de 4% de taxa de positividade nos testes e mais de 270 pessoas internadas em unidades de cuidados intensivos. A dissonância entre o chefe do Governo e o Presidente da República é mais relevante do que parece. Não é só uma questão de política, mas de saúde pública. As pessoas não entendem que as principais figuras do Estado não coincidam na estratégia de combate à pandemia. Foi a primeira vez que Marcelo não falou na sequência de alterações de medidas de confinamento decretadas por António Costa. Nenhuma visita de Estado justifica o silêncio imediato. Marcelo é Marcelo. Nenhuma viagem o impossibilitaria de falar ao País, se assim entendesse necessário.

 

Os factos são o que são. Marcelo queria desconfinar depois da Páscoa, António Costa avançou já. Vamos ter o regresso às escolas associado à promessa de vacinar professores e profissionais não docentes. É um erro associar as prioridades do plano de vacinação a critérios políticos, fugindo das decisões técnicas. O Governo promete vacinar professores e funcionários das escolas numa altura em que falta vacinar cerca de 500 mil pessoas em risco. Milhares de pessoas com mais de 80 anos continuam a aguardar pela SMS. Elas e os doentes de risco com idade entre os 50 e os 79. A este grupo de lista de espera, somam-se ainda muitos profissionais de saúde.

 

O pior que nos podia acontecer seria transformar a vacinação numa manobra de propaganda política, definindo prioridades à medida das necessidades imediatas desta ou daquela classe profissional. Numa altura em que Portugal preside ao Conselho da União Europeia, António Costa deveria colocar todas as fichas nas negociações com os laboratórios. A Europa está atrasada. Os problemas de distribuição sucedem-se e uma quarta vaga da pandemia não é uma miragem.