Maldito medo

  • 27-09-2022

A Direcção-Geral da Saúde vai avançar com a vacinação preventiva contra a varíola dos macacos. Mais vale tarde do que nunca. Uso este exemplo para escrever sobre algo que me inquieta há vários anos: o culto português do silêncio. 

 

O filósofo José Gil refletiu em livro sobre o nosso “medo de existir”. Eu acrescentaria o medo de pensar, de contrariar, de fazer barulho, entregando-nos ao sossego público por mais inquietos que estejamos por dentro. Mas o que tem isso a ver com a varíola dos macacos? Tudo. Durante meses, perante a inércia de várias organizações que deveriam ter feito ouvir a sua voz, a DGS deixou arrastar um problema de saúde pública sem o devido empenho para o combater. Sim, refiro-me ao processo de vacinação. Durante meses, a varíola dos macacos foi quase assunto tabu, entregue ao medo de uma minoria estigmatizada.

Muitos daqueles que deveriam ter falado, ONG´s e activistas, preferiram render-se ao tal medo de existir, adiando a pressão sobre os decisores, como se o espaço público continuasse reduzido a um meia-dúzia de vozes que têm o direito exclusivo à opinião. Errado. Foi por isso que escrevi sobre o tema há duas semanas. Porque entendo ser meu dever contrariar o fatalismo cultural que nos cola esse culto do silêncio, esse medo de agitar as águas e promover as mudanças que consideramos necessárias.

 

As alterações estão em marcha e não são o resultado do texto que escrevi, mas de várias opiniões que, entretanto, se aliaram no mesmo sentido. Quando a sociedade civil acorda, “o mundo pula e avança”. É essencial termos isso bem presente numa altura em que nos querem vender um amanhã onde estamos condenados a empobrecer. Está preparado o cenário para voltarem a dizer aos enfermeiros que não há dinheiro, que é como quem diz, não há reconhecimento nem futuro. O resto está nas nossas mãos.

 

O que se passou com a varíola dos macacos é apenas um exemplo da nossa inércia colectiva, quase sempre presa a um certo egoísmo que desvaloriza o que indiretamente não nos toca. A empatia morreu e com ela vai morrendo também a democracia. Que povo assistiria em silêncio, no sofá, entre um golo e uma cerveja, aquilo que está acontecer na segurança social? Um jovem que entre hoje no mercado de trabalho a ganhar 1.200 euros, arrisca-se a receber, se receber, menos 500 euros de reforma. E sobre isto? Silêncio.

Desistir de falar é aceitar ir morrendo aos poucos. Não contem comigo para viver presa a tamanho medo.

 

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